Promovido, com pompa e circunstância, pela “Casa da Democracia de Portugal” – a Assembleia da República – o Parlamento recebeu (e ouviu) um conjunto de personalidades da vida pública portuguesa, que representam três eixos da sociedade e que, pelas leis vigentes, servem instituições por onde perpassam diversas acções cuja temática se liga ao Desporto, na sua plenitude.
Abrangência tanto ou mais lata que vai das forças policiais (PSP e GNR) ao Conselho Superior da Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público, à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, ao Sindicato dos Jornalistas, às várias empresas que gerem órgãos da comunicação social, a que não faltou também o cunho académico.
Um “plenário” que teve razão de existir mas em que o debate não foi mais do que aquilo que tem vindo a público nos últimos tempos, face à violência verbal praticada por diversos agentes desportivos (leia-se do Futebol), com maior acuidade na actualidade face ao “empolamento” que é feito nas “redes sociais”.
O que tem servido de “rastilho” para a consequente violência física e que tem originado um sem número de processos nem sempre com a (melhor) aplicação de sanções baseadas na legislação em vigor (Lei 39/2009, como ponto de partida), face à “décalage” temporal até aos dias de hoje.
Atento ao assunto, João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e Desporto, salientou que “o governo vai apresentar a curto prazo um conjunto de propostas de alteração da actual lei onde, entre outras directivas, serão introduzidas normas tendentes a uma maior celeridade dos procedimentos processuais – com o reforço de mais juristas – que inclui sumaríssimos e aumento do valor das coimas”, prevendo-se ainda uma redefinição no texto que se relaciona com os Grupos Organizados de Adeptos (GOA), dado que o que se encontra definido é, hoje em dia, ineficaz.
Sanções mais severas – coimas pagas pelo mesmo processo que existe para as aplicadas pela Divisão de Trânsito (na hora) e infractores impedidos de entrar nos recintos desportivos – com as quais concorda o citado alto responsável da PSP, defendendo ainda que deverá haver “uma maior co-responsabilização dos clubes nos casos de infracções dos respectivos adeptos como meio de reduzir o fenómeno da violência existente”.
Como explicação para o facto revelou que “em 2.960 incidentes verificados na época de 2016/2017, 2.763 se referem ao futebol masculino”, limitado apenas a competições nacionais top e internacionais.
Fernando Gomes (FPF), que em Outubro de 2017 deu um valente “murro” na mesa quando divulgou um texto nos três jornais desportivos quando se “estilava” ódio por tudo o que metia futebol – documento posteriormente entregue na Assembleia da República e do qual ainda nada resultou na Casa da Democracia – revelou também um aumento de 245% de situações de violência “verbal” por parte de dirigentes e 26% no que se refere aos adeptos, pelo que é fácil verificar de onde surge o mau ambiente reinante.
Advogou ainda o Fernando Gomes que se “deve endurecer as sanções a aplicar, adaptar a legislação à realidade”, tendo ainda sugerido a criação de uma “Autoridade Administrativa” para dar maior celeridade aos processos que dão entrada no IPDJ, que não tem meios humanos suficientes para o efeito.
Pedro Proença, presidente da Liga Portugal salientou que há “PSP a mais nos jogos”, que “este estado de violência significada uma perda de credibilidade do Futebol junto dos patrocinadores e que as tv’s, com os programas que tem, estão a denegrir o futebol e o desporto”.
Para o Presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, “é recorrente vir à Assembleia da República com este tema, o que demonstra alguma incapacidade porque nada mudou e tudo já foi aqui dito”, pelo que reforçou que a AR e o Governo deveriam “actuar” com celeridade. Adiantou ainda que “deveria haver uma frente comum para combater esta questão, pelo que não se vai longe na mudança cultural que se pretende”, frisando que “a inépcia do governo é flagrante por não aplicar instrumentos legislativos em vigor”.
Luciano Gonçalves, Presidente da Associação de Árbitros de Futebol (APAF), salientou que “existe uma flagrante ausência de valores e uma diminuição da cultura, o que corresponde a um clima vergonhoso”. Adiantou ainda que “na presente época já foram registadas 18 agressões a árbitros”, apelando de seguida a uma convergência entre todas as entidades para afastar esta “atmosfera tóxica que vigora, face às 45 horas semanais que os programas televisivos transmitem por semana”.
Posição mais acutilante teve – face à experiência adquirida ao longo dos anos, em especial enquanto Presidente do então Instituto do Desporto de Portugal (e não só) – José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, começou por referir que “em 2017 o Comité Olímpico realizou uma convenção internacional com a participação de especialistas nacionais e europeus, autoridades judiciais e policiais portuguesas, do que resultou um documento sobre o problema da violência, segurança e prevenção de risco no desporto que é do conhecimento público e que se mantém actual”.
Por isso, não foi de admirar que fosse mais além e acrescentado que “enfrentamos três riscos”, que enunciou:
“1. A tendência de respondermos a um fenómeno complexo com impulsos comunicacionais que procuram varrer os problemas da agenda mediática até a um próximo incidente; ou criando um facto novo que ocupe o espaço mediático do facto em crise; ou recorrendo à estatística para conferir um suposto conteúdo factual e objectivo a uma leitura que amenize a dimensão do problema demonstrando que o número de competições sem incidências de violência é muito superior aquelas em que ela ocorre; e que, como tal, estaríamos perante um falso problema ou um problema empolado.
2. O de tratar o fenómeno da violência associada ao desporto apenas na sua dimensão física, de confronto, e desvalorizarmos no âmbito do problema a violência simbólica, gestual, gráfica e comportamental.
3. O de considerar que a violência nos dias de hoje é idêntica à de outrora e que não há novos protagonistas, ou que os mesmos protagonistas mantêm invariáveis as suas condutas e propósitos ao longo do tempo. Como a violência de hoje é de natureza completamente diferente da de outrora, não pode ser combatida com os métodos do passado”.
Adiantou que hoje em dia é diferente porque “o fenómeno deixou de ter apenas motivações desportivas; um qualquer lugar de competição é, contrariamente ao passado, uma janela escancarada ao mundo que multiplica a dimensão de tudo o que lá passa e torna a sua regulação mais complexa e que o espaço mediático e a nova realidade comunicacional amplificam exaustivamente qualquer incidente através do mecanismo da repetição de imagens e dos debates.”
Outros temas foram ainda desenvolvidos por outros oradores, voltando ao assunto em próxima edição.