Bem se pode dizer que este domingo, dia 13, Nossa Senhora de Fátima esteve com Inês Henriques na conquista da primeira – e única – medalha de ouro que Portugal conquistou no Mundial que, ao décimo dia, terminou na capital britânica, Londres.
Sem dúvida que todo o esforço físico tem, quase sempre, acima do trabalho e do querer, um forte pendor mental, que leva alguns atletas a superar-se e, na sequência, transcenderem-se no mesmo âmbito (físico) e até na fé.
De fé, porque por muito que se treine a técnica, neste tipo de disciplina (marcha) e, em especial, numa prova de 50 km, não é nada fácil cumprir as regras (joelho dobrado ou marchar em suspensão, ou seja, correr em especial nesta distância, ademais andando sempre na frente.
Inês sempre comandou as operações desde o tiro de partida, marchou lado a lado com a chinesa Hang Yin até aos 20 km, quando decidiu (ainda muito cedo) que estava na hora de marchar “a sério” para a medalha de ouro, que era o principal objectivo da atleta, se bem que bater de novo o seu próprio recorde mundial fosse outra meta a atingir. E também conseguida.
Até aos 20 km, as duas atletas passaram juntas (24,43 aos 5 km; 49.22 aos 10; 1.13.43 aos 15; 1.37.59 aos 20. A partir dos 25 km, Inês passou a ter um segundo de vantagem (2.02.18/2.02.19), aumentando para quatro segundos aos 30 km (2.26.35/2.26.39), cinquenta segundos aos 35 (2.50.52/2.51.42), um minuto e quarenta segundos aos 35 km (3.15.14/3.17.04) e mais de dois minutos e meio aos 45 km (3.39.56/3.43.07), tendo aumentado para três minutos e dois segundos a vantagem no final da prova.
Isto foi esforço mental e físico, completado com as preces para que os juízes não a desqualificassem, como aconteceu a uma outra atleta, enquanto outras duas foram afastadas da prova por não terem cumprido, aos 40 km, o tempo que a organização definiu antecipadamente como passagem obrigatória.
Nascida no primeiro de Maio de 1980 (33 anos e três meses e meio), Inês Pereira Henriques, enfermeira de profissão, conquistou este domingo o mais importante título dos seus 25 anos de carreira desportiva, como marchadora de elite, êxito duplicado pelo recorde mundial em simultâneo, dando um exemplo de abnegação extraordinário para “dentro” da própria comitiva, cujos resultados obtidos ficaram muito aquém do que se de esperar, não tanto pelos lugares que conseguiram mas pelos fracos resultados técnicos, salvo uma ou outra excepção, o que confirma a regra.
Eufórica, feliz por tudo ter saído da melhor forma, Inês era um poço de alegria logo após o final da prova: no primeiro campeonato mundial onde esta distância foi colocada no calendário, coube a uma portuguesa conquistar o ouro e melhorar o seu próprio recorde mundial. Esplêndido.
Inês que teve, sempre, a seu lado um dedicado técnico, Jorge Miguel, homem de poucas falas mas com um trabalho notável ao longo de toda a história da marcha em Portugal, tendo sido Susana Feitor a sua primeira figura mundial, com um recorde mundial de juniores com 15 anos de idade.
Até podemos acrescentar que muito poucos – para não dizer que é único – ousaram alcançar o que Inês conseguiu: mostrou uma determinação inabalável desde que bateu pela primeira vez o recorde mundial, em Porto de Mós, para que a prova fosse oficializada pela IAAF; depois, que fizesse parte do mundial, como se verificou; referiu, ainda antes da prova, que era possível marchar para as quatro horas e seis minutos, o que seria novo recorde mundial para retirar eventuais dúvidas que existissem sobre as 4.08.26 alcançadas em Portugal. Foi uma perfeição ímpar. Não há adjectivos. Só falta a condecoração! Sim porque os 160.000 dólares da vitória e do recorde já estão garantidos.
O recorde mundial ficou agora colocado em 4.05.56 e pode perdurar por bastante tempo, porquanto ainda há poucas atletas e, por outro lado, não se sabe se integrará os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020.
De relevar também, para a história, as medalhas de prata e de bronze, as chinesas Hang Yin (4.08.58) e Shuqing Yang (4.20.49), o primeiro um recorde asiático e um segundo recorde pessoal. Outra superação.
Kathleen Burnet, Estados Unidos da Améria, foi a quarta e última classificada, com 4.21.51, também um recorde do Continente Americano.
Ainda no feminino, Ana Cabecinha (20 km) não foi tão feliz porque teve o azar de todas as atletas que ficaram à sua frente (cinco) terem obtido os seus melhores resultados pessoais e de época – um até de Área (América do Sul) – motivo que a levou a um sexto lugar que é excelente, com o melhor tempo da presente época (1.28.57).
A prova foi ganha pela chinesa Jiayu Yang, com 1.26.18, seguida da mexicana Maria Guadalupe Gonzalez (1.26.19) e da italiana Antonella Palmisano (1.26.36), numa prova disputadíssima desde o primeiro até ao último metro.
Em termos de portugueses, João Vieira e Pedro Isidro participaram nos 50 km marcha, onde melhor foi o atleta do Sporting, com 3.45.28, o seu melhor registo do ano, enquanto Pedro Isidro foi 32º, com 4.02.30 (algo longe do que fizera anteriormente, de 3.56.38).
O vencedor foi um Português naturalizado francês, Yohann Diniz, com 3.33.12, no que foi um recorde do mundial (foi a primeira vez também), à frente dos japoneses Hirooki Avan (3.41.17) e Kai Kobayashi (3.41.19), atleta provavelmente da família do Mestre de Jugo que viveu até falecer em Portugal.
Seria importante conhecer porque é que a Federação Internacional de Atletismo deixou que quatro marchadores espanhóis tomassem parte na prova dos 20 km marcha, quando o máximo permitido é de três por país, subvertendo o regulamento e criando condições desfavoráveis para os restantes países.
Terminado mais um mundial, importa encerrá-lo com a referência às medalhas, onde os Estados Unidos da América voltaram a dominar, chegando às 30 (10 de ouro, 11 de prata e 9 de bronze), com o Quénia a ficar na segunda posição a “milhas”, conseguindo apenas 11 (5.2.4) e com a África do Sul num inusitado 3ºlugar, com 6 (3-1-2).
Nos lugares seguintes classificaram-se a França, com 5 (3-0-2); China, com 7 (2-3-2); Grã-Bretanha, com 6 (2-3-1); Etiópia, com 5 (2-3-0); Polónia, com 8 (2-2-4); Atletas Neutrais, com 5 (1-2-2) e a Alemanha, no 10º lugar, com 5 medalhas, (1-2-2)
Com a medalha de ouro da Inês e de bronze do Nélson Évora Portugal ficou num excelente 18º lugar entre os 38 países medalhados., último grupo onde o Brasil ficou integrado.
Por pontos (países), Os Estados Unidos também foram os grandes vencedores, com um total de 272 pontos (que inclui os 12 primeiros atletas de cada prova), bem longe do Quénia (124) e da Grã-Bretanha (105) que formaram o pódio.
Polónia (86), China (81), Alemanha (78), Etiópia (70), Jamaica e França (68) e os Atletas Neutros (56) classificaram-se até ao 10º lugar na classificação colectiva geral (sectores masculino e femininos).