Depois de uma derrota “copiosa” ante a Dinamarca, poderia pensar-se que a equipa portuguesa, com período de descanso curto, chegaria à disputa do terceiro e quarto lugar com aspirações “mais contidas”, não só pelo referido como também o adversário ser a França, outro colosso mundial da modalidade.
Puro engano. Tal como se verificou na fase de grupos e no Main 3, Portugal apresentou-se como “novo”, com mente limpa e espírito de sacrifício e resiliência suficiente para jogar taco-a-taco com os franceses, tendo-se provado que, ao perder por um golo de diferença, os Heróis do Mar foram isso mesmo: Valentes guerreiros e o melhor resultado de sempre num mundial de Andebol.
A partir desta apreciação, que se pensa consensual em termos nacionais e internacionais – ainda que a medalha de bronze também fosse merecida.
Portugal esteve muito perto de uma histórica medalha, mas acabou por perder de forma dramática com a campeã da Europa em título, França, este domingo, no que é a melhor classificação de sempre dos Heróis Mar na competição, após uma campanha para recordar em solo nórdico.
O resultado no jogo de atribuição da medalha de bronze não apaga a brilhante e sem precedentes campanha dos Heróis do Mar neste mundial, que terminou com a conquista do 4º lugar, melhorando consideravelmente a anterior melhor classificação (10º lugar de 2021).
Com um sete inicial constituído por Gustavo Capdeville, Diogo Branquinho, Martim Costa, Rui Silva, Francisco Costa, Pedro Portela e Victor Iturriza, Portugal nem entrou da melhor forma.
Com Nedim Remili, Elohim Prandi e Dika Mem a começarem no banco, foi Aymeric Minne a assumir a organização do ataque e a assinar os dois primeiros golos de um parcial de 3-1 com que a França entrou na partida em quatro minutos. Portugal reagiu rapidamente e assinou dois golos sem sofrer, depois de uma defesa de Diogo Rêma Marques, para voltar a restabelecer o empate (3-3).
Aos 13’ Luís Frade, que até então apenas defendeu, estreou-se em funções ofensivas, numa altura em que o jogo perdeu algum brilhantismo e as duas seleções não marcavam há quase cinco minutos. Depois da França ter conseguido rematar de primeira linha com alguma facilidade em algumas ocasiões, Paulo Pereira pediu o primeiro time-out do jogo, aos 19’ com o marcador em 12-11.
Após a paragem, Fábio Magalhães estreou-se no ataque luso e aos 21’ foi a vez da França regressar aos dois golos de vantagem (14-12), algo que não se via desde o 3-1, ainda antes dos cinco minutos. Com Portugal a atravessar o momento mais conturbado e com seca de golos, os gauleses aproveitaram para desbloquear o patamar dos três golos de diferença (15-12), a cerca de sete minutos do intervalo, já com Gustavo Capdeville entre os postes da baliza de Portugal.
As estrelas gaulesas Elohim Prandi e Dika Mem foram a jogo ainda antes dos 25 minutos e a França manteve-se a uma distância mínima de dois golos durante vários ataques, que prevaleceu ao intervalo (19-17).
No arranque da segunda parte, o guardião Charles Bolzinger justificou a aposta e protagonizou duas defesas seguidas, as primeiras na partida, mas Portugal recuperou animicamente e assinou um parcial de 0-2, da autoridade Rui Silva e Victor Iturriza, para empatar de novo o duelo (19-19).
Aos 35’ houve uma exclusão para cada lado e depois de uma defesa de Gustavo Capdeville, foi Martim Costa a corresponder e a dar a primeira vantagem de Portugal no jogo (20-21). Pouco depois, foi a vez de Portugal beneficiar de dois minutos em superioridade numérica, mas uma precipitação lusa abriu caminho a mais uma reviravolta (23-22), aos 40 minutos.
Nos minutos seguintes, Gustavo Capdeville fez-se gigante, atingiu as nove defesas e ajudou Portugal a reagir bem a uma inferioridade. De igual para igual, o nível luso subiu de forma considerável e aos 46’ apareceu a primeira vantagem de dois golos para os Heróis do Mar (24-26) por António Areia, exímio da marca dos 7 metros. Os campeões da Europa em título reagiram ao período mais delicado com um parcial de 2-0 para trazerem novo empate (26-26), o que motivou um pedido de time-out de Paulo Pereira.
No reatar da partida, a França teve sucesso na defesa e voltou ao comando (27-26), aos 50 minutos. O jogo seguiu equilibrado e aos 52’, com a ajuda de Charles Bolzinger, os gauleses conseguiram dobrar a vantagem (30-28), numa altura de nervos em que todas os detalhes contam. Com o placar em 31-30, Guillaume Gille parou o jogo à entrada dos últimos cinco minutos, mas foi Portugal a crescer após paragem e empatar tudo de novo (31-31).
Com Francisco Costa em grande plano, o jogo seguiu debaixo de um profundo equilíbrio e a trinta segundos do fim, a França preparou o último ataque em time-out, com o marcador empatado a 34 golos. Os franceses marcaram de livre de sete metros e Paulo Pereira parou o jogo para também preparar a derradeira ofensiva a 16 segundos do fim. Nos últimos segundos foi o guarda-redes Charles Bolzinger a sorrir perante António Areia e a vitória foi assegurada pelos campeões da Europa (35-34).
MVP: Gustavo Capdeville – 11 defesas (31% eficácia) – foi considerado o MVP e Francisco Costa – 8 golos (73% eficácia) – o melhor marcador, o que diz bem da categoria dos jogadores nacionais.
Paulo Pereira, Selecionador Nacional, considerou que os Heróis do Mar mereciam “um bocadinho mais” pelo percurso que tiveram no Mundial, mas não escondeu o orgulho que sentiu no grupo de trabalho e no resultado conquistado, tendo referido que “não me querendo fazer de vítima, porque não somos vítimas nenhumas, vivemos no paraíso, temos uma vida espetacular, não somos vítimas. Mas o que é certo é que… talvez um bocadinho mais de justiça, merecíamos um bocadinho mais a medalha, pelo que fizemos ao longo do Mundial. Acho que poderia ser um bocadinho mais justo, por tudo o que aconteceu e o que fizemos até agora. Mas isto não é uma questão de justiça, é o que é, é a realidade. Continuo a dizer que estou muito orgulhoso de trabalhar com este tipo de pessoas, que dão tudo sem condições, sem restrições pelo país. E, portanto, estamos todos com a consciência muito tranquila e com vontade de voltar. Cansados, mas com vontade de voltar”.
Adiantou ainda que “uma vez mais, Portugal esteve ao nível das grandes seleções do mundo. É impossível fazer comparações, porque é incomparável em termos do que é o investimento no desporto, que é o que é feito desde a base até ao topo [em França]. Estamos a lutar David contra Golias. O que é um facto é que só um temperamento muito especial é que pode levar a este tipo de resultados e quando o temos, podemos mover montanhas, que é o que aconteceu um pouco neste Mundial. Agora voltaremos lá, provavelmente de uma forma mais fácil, mas eu acho que para Portugal uma competição destas, fazer o que fizemos, é chegar ao Everest. Agora é preciso voltar a repetir, é volar a subir.”
Dinamarca com quarto título mundial conquistado
Na final, com 13.384 espectadores – lotação completamente esgotada – a Unity Arena transformou-se num mar vermelho e branco – já que ambos os finalistas partilhavam as mesmas cores. Desde o apito inicial que a Croácia entrou com uma defesa 5:1, tentando limitar a linha defensiva altamente eficaz da Dinamarca, com Marko Mamić a tentar interromper os passes entre Mathias Gidsel, Rasmus Lauge e Simon Pytlick.
Por sua vez, a Dinamarca recorreu aos seus pontas – Niklas Kirkelokke e Emil Jakobsen – com resultados mistos. Ambos marcaram, mas ambos falharam pelo menos um remate, mas a Dinamarca esteve sempre na frente do resultado. Uma vantagem de 4-1 ao fim de 10 minutos parecia dar o mote para o jogo. A Croácia nunca desistiu do jogo, tentando sempre regressar, apesar da prestação de Emil Nielsen, o guarda-redes da Dinamarca, com a melhor eficácia da competição até agora, terminando a primeira parte com nove defesas, numa fantástica eficácia de 43%.
Mathias Gidsel, que viria a ser o MVP do Campeonato do Mundo, esteve secreto nos primeiros 20 minutos e de seguida disparou para seis golos em seis remates, estando mais uma vez imparável para atingir a marca dos 70 golos na competição e levar a Dinamarca para uma vantagem de 16-12 ao intervalo.
Após os primeiros 10 minutos da segunda parte, tornou-se cada vez mais claro que a Dinamarca não iria abdicar do seu quarto título consecutivo. Seguiu-se um ataque de 7×6 croata que foi rapidamente punido pela Dinamarca. E, sem mais nem menos, os nórdicos passaram para uma vantagem de 24-14, a 20 minutos do fim.
A Croácia fez o seu melhor para limitar os danos. Voltaram a marcar cinco golos, 23-28, a seis minutos do fim. Mas a diferença era demasiado grande para que houvesse uma reviravolta e a Dinamarca selou as contas a 32-26.
Com a sua nona vitória consecutiva no Croácia/Dinamarca/Noruega 2025, a Dinamarca garantiu o quarto título consecutivo no Campeonato do Mundo Masculino, algo nunca visto a este nível.
Três portugueses na equipa mundial das estrelas
Três portugueses entraram na All-Star Team, com Francisco Costa a arrecadar o prémio de Best Young Player Presented by Lidl, Martim Costa foi distinguido como melhor central e Victor Iturriza o melhor pivô do campeonato do Mundo.
As estrelas globais foram: Guarda-Redes: Emil Nielsen (Dinamarca), Ponta direita: Mario Šoštarič (Croácia), Lateral direito: Ivan Martinovic (Croácia), Central: Martim Costa (Portugal), Lateral esquerdo: Simon Pytlick (Dinamarca), Ponta esquerda: Dylan Nahi (França), Pivô: Victor Iturriza (Portugal).
O melhor jogador jovem foi Francisco Costa (Portugal); o melhor marcador foi Mathias Gidsel (Dinamarca), com 74 golos e o MVP do mundial foi Mathias Gidsel (Dinamarca).
Espetadores especiais na bancada a seguir ao vivo e com emoção foram Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro, respetivamente presidente da República e Primeiro de Ministro de Portugal, com Pedro Dias, secretário de Estado do Desporto, também presente.