Psicólogo do Desporto e o primeiro Mestre na área, em Portugal, igualmente doutorado em Psicologia do Desporto, Jorge Silvério concluiu que os árbitros devem “trabalhar os aspectos mentais de forma sistemática e elaborar um plano mental individualizado”, para melhor lidarem com as críticas adversas, num webinar promovido pela CAAD do Comité Olímpico de Portugal.
Sendo esta uma realidade na abrangência global que é a sociedade, sem escolher áreas ou actores, o problema, no desporto, tem outras condicionantes porque envolvem, no final de cada época desportiva, a definição das classificações dos árbitros, para o que contam diversos itens que são vertidos para o respectivo “dossier” pessoal, jogo a jogo.
Cabe, desde já, adiantar que Jorge Silvério respondeu às questões colocadas sobre o tema geral de “E depois da tomada da decisão? Como devem os árbitros lidar com as críticas?”, no webinar implementado pela Comissão de Arbitragem e Ajuizamento Desportivo (CAAD), inserido no ciclo “A tomada de decisão na arbitragem”, ainda que seja importante salientar que, no que se refere aos árbitros, se deva ter em conta as especificidades de cada modalidade, a pressão diária que isso obriga, a capacidade mental e de discernimento, a “velocidade” que obriga a ter uma reacção em segundos à questão surgida, isto para fugir um pouco à “futebolização” que o país conhece, onde estão os olhares de milhões de portugueses, para falar apenas em Portugal.
Jorge Silvério dividiu a apresentação em três partes, tendo começado pela “vantagem de jogar em casa”, na qual incluiu o chamado “plano português” de ver o jogo, que “não está centrado na bola”, mas num ponto negro, “o árbitro.”
Na vantagem de jogar em casa, entre muitos outros fatores, podem entrar os árbitros, porque, como explicou, recorrendo a Pollard (1986), existe a possibilidade de uma assistência muito ruidosa influenciar as decisões dos árbitros a favor da equipa local. Daí que Jorge Silvério tenha sublinhado que, actualmente, face à ausência de adeptos, “a vantagem de jogar em casa baixou.”
Focado no árbitro de futebol, sujeito a tomar 200 decisões, enquanto percorre 12 quilómetros e vigia dez mil metros quadrados, o árbitro pode ser visto como bode expiatório. “Quanto mais o odeiam mais dele necessitam”, disse Jorge Silvério, citando Eduardo Galeano.
Jorge Silvério abordou depois os dois tipos de crítica que se podem colocar. “A crítica pode ser construtiva, de análise do erro, sendo ‘o insucesso uma oportunidade para recomeçar com mais inteligência’”, como disse Henry Ford. Depois há a crítica destrutiva, “o criticar por criticar.”
Quais são os objectivos de criticar? Muitas vezes podem visar o condicionamento do árbitro, noutros representam uma “tentativa de alijar responsabilidades.”
As críticas destrutivas prejudicam o desempenho, porque “diminuem a capacidade de tomada de decisão, aumentam a agressividade, diminuem a concentração, a motivação, aumentam a ansiedade e a probabilidade de erro.” A crítica pode motivar “vontade de desistir, provocar revolta e vergonha.”
O que pode então ser feito? Que tipo de estratégias podem ser utilizadas? Jorge Silvério salientou a necessidade de “fazer discurso interno, falando connosco próprios, racionalizando a situação. Se eu não estivesse tão emocionado de que forma agiria?’” – pode perguntar-se.
“Escrever é outra forma de lidar com a situação. É uma forma de nos organizarmos. Outra estratégia é sermos capazes de interromper o nosso pensamento, sobretudo quando começa a ser negativo.”
No entanto, sabe-se, também, que o “stress” dos árbitros começa logo após o recebimento da convocatória, o que os leva a ”folhearem” os apontamentos de jogos anteriores entre as mesmas equipas, para se “defenderem” de algo que não tivesse corrido da melhor forma. Hoje em dia, não havendo a “pressão” dos adeptos dentro dos estádios, a situação tornou-se mais “aliviada”, ainda que os jogadores e os elementos que se sentam no banco de suplentes, sejam “motivadores” de outros males que vão surgindo (como mandarem-se para o chão ao mínimo toque, muitas vezes seguidos de um “quadro de folclore” cada vez mais presente, para provocar o árbitro a apitar. Daí que Portugal seja um dos países em que o tempo útil de jogo é dos mais baixos das estatísticas.
Outro tipo de “pressão” é o que se tem passado, desde que o VAR foi criado, com uma inacção do árbitro – e até dos árbitros assistentes – que não assinalam múltiplas faltas, “escudados” que estão de que o VAR “terá sempre razão”, pelo que não vale a pena assinalar seja o que for, a não que seja uma situação “flagrante”, que toda a gente viu (ou que os que estão no banco viram) e mal parecia não dar o sinal ao árbitro. Tudo isto tem implicações que, ainda que não abertamente versadas, são motivo de problemas associados.
Na questão do referido “discurso directo, mais introspectivo”, expirar pode significar expulsar o pensamento negativo. Pode também concentrar-se a atenção num ponto neutro, arranjando um novo alvo e estudar todos os seus detalhes, sendo que aumentar a autoconfiança também é importante trabalhar.
O psicólogo do desporto recorreu a uma citação de Jean Cocteau para ilustrar qual deve ser o entendimento do árbitro no sentido de ultrapassar as dúvidas que as críticas suscitam: “Ele não sabia que era impossível. Foi lá e fez.”
Na parte final do webinar, de interacção com audiência, Jorge Silvério sublinhou que “há poucas profissões onde haja uma avaliação semanal, onde haja este permanente escrutínio”, como é a profissão de árbitro. “Se esta é uma premissa para a minha carreira tenho de me preparar”, defendeu.
Jorge Silvério traçou depois o plano que os árbitros forçados à inactividade pela pandemia devem seguir: “Manter a forma física é super importante, manter também a actividade do ponto de vista mental. ‘O que pretendo atingir?’ – esta é a estratégia mais poderosa.” Depois: “Rever, recriar situações, falar com colegas, estudar. O que é que posso melhorar?” – deve ser perguntado.
Conseguir ter o “sangue frio” sempre presente, é uma forma de estar preparado para sempre, como “protecção” ao não envolvimento no ambiente em que se encontra, mas ter presente a posição em campo perante a movimentação da bola e dos jogadores, sempre com o foco visual bem alinhado.
Paula Saldanha, atleta olímpica de Judo, árbitra da modalidade e membro da CAAD, moderou o webinar, que atraiu mais de duas centenas de participantes, de 34 modalidades diferentes.