Segunda-feira 24 de Novembro de 8600

Juliana Sousa ou a segunda jogadora mais internacional de Portugal no Andebol

Juliana de Sousa, uma das jogadoras (lateral) mais cotadas da selecção nacional de Andebol de todos os tempos, cedo se destacou e passeou a sua classe não só em Portugal como em equipas estrangeiras, tendo começado e terminado a carreira na Madeira, onde cresceu para a internacionalização ao serviço do Clube da Quinta da Princesa, de onde seguiu para a Pérola portuguesa no Atlântico.

Mais tarde, enveredou pela carreira do dirigismo e desempenha actualmente o cargo de vice-presidente da Federação de Andebol de Portugal, sem dúvida uma ascensão que deu mais-valia ao seu pós-carreira atlética e ajudou a engrossar o lote – ainda que reduzido em termos de igualdade do género – das mulheres que não ficaram em casa após “arrumarem” a vida desportiva ao mais alto nível, o que merece um rasgado elogio.

O prémio de melhor jogadora do Campeonato do Mundo de Juniores, em 1997, deu o mote paAndebol-JulianaSousa--21-05-2020ra uma transferência para o andebol espanhol. Quase 10 anos depois, todos passados no estrangeiro, Juliana Sousa regressou ao Madeira SAD, onde terminou a carreira de jogadora.

Ao serviço da equipa nacional, a antiga jogadora contabilizou 140 jogos no escalão de sénior, que a colocam no segundo lugar das jogadoras com mais internacionalizações por Portugal, pela Selecção Absoluta.

Neste momento, ainda de confinamento por efeitos do Covid-19, Juliana deu uma entrevista ao site da Federação de Andebol de Portugal, onde historiou a sua longa carreira, tendo começado por recordar que começou pelo atletismo e que, por sugestão do pai, se dirigiu ao clube da Quinta da Princesa, onde entrou (com 12 anos) e só saiu porque mudou de ares, para a Madeira.

Antes de lá chegar sagrou-se campeã nacional da II Divisão e, já na Madeira, ao serviço do Marítimo e depois no Madeira SAD, conquistou dois títulos nacionais e duas taças de Portugal.

Estava dado o mote para uma carreira de alto nível.

No currículo familiar, Juliana é prima do futebolista Luís Boa-Morte que, bastante jovem, partiu para jogar no estrangeiro, o que acabou por ser o seu caminho para o estrelato, considerando as suas condições morfológicas (alta e forte fisicamente).

Recordou que “com 17 anos fui jogar para a Madeira e nem sabia que os atletas de andebol podiam ser “comprados”, pensava que isso acontecia apenas no futebol. O meu primo, Luís Boa-Morte, que é da mesma idade do que eu, tinha ido para o Arsenal também muito jovem e eu pensava que as contratações só aconteciam no futebol, porque nas outras modalidades não ganhavam muito dinheiro. Nós, atletas femininas, pensávamos que não podíamos viver do andebol e eu acabei por perceber que afinal era possível.”

Em 1997 foi considerada a melhor jogadora do Mundial de Juniores, onde Portugal conquistou o 6.º lugar. Depois dessa experiência era inevitável uma saída para o estrangeiro?

“Acabou por ser, porque eu tinha muitos convites, mas achava que era difícil porque não havia muitas atletas portuguesas no estrangeiro, naquela altura. O meu percurso na modalidade, no início, aconteceu de forma muito repentina: comecei a jogar andebol, depois fui chamada para representar a Associação de Setúbal, a seguir entrei para a Detecção de Talentos, Selecção Nacional, num crescimento muito rápido, mercê do trabalho desenvolvido com os bons treinadores que foram Fernando Jorge e do José António Silva, que me ajudaram imenso”.

Que deu frutos muito rapidamente …

“Pode dizer-se que sim. A nossa selecção participava em apuramentos muito difíceis e nunca tinha estado nem em Europeus nem em Mundiais. Agarrámos aquele Mundial com unhas e dentes, acreditámos que íamos fazer um brilharete, a equipa estava muito confiante apesar do grupo ser muito difícil, mas a união fez a força. Tínhamos também uma equipa técnica que acreditava muito em nós e isso foi muito importante, não estávamos à espera de alcançar um 6.º lugar mas sabíamos que íamos conseguir chegar muito longe. Eu só venci o prémio de melhor jogadora desse Mundial devido ao trabalho de equipa, todas nós estivemos sempre unidas e toda a equipa merecia ter ganho esse prémio.”

A primeira experiência no estrangeiro, em Espanha, foi ao encontro das suas expectativas?

“Foi muito enriquecedora porque em Portugal nunca tinha jogado na Liga dos Campeões e, no estrangeiro, acabei por jogar em equipas de topo, o que me ajudou a crescer imenso como atleta. Tínhamos um ritmo competitivo muito elevado, com Campeonato espanhol às quartas-feiras e Liga dos Campeões ao fim-de-semana. Uma pessoa acabava por evoluir porque não tínhamos tempo para pensar, vinha sempre um jogo a seguir ao outro, enquanto em Portugal se eu perdesse um jogo tinha uma semana para pensar e em Espanha não, tinha que mudar o chip rapiAndebol-JulianaSousa-21-05-2020damente. Foi uma experiência fantástica, em pavilhões cheios, com claques e na Liga dos Campeões o nível ainda era maior. A própria apresentação das equipas era um verdadeiro espectáculo, o andebol tinha outra dimensão. Nesse ano venci a Taça da Rainha.”

Depois de três anos em Espanha, mudou-se para França para representar o Metz, uma das grandes equipas femininas na altura. Foi a partir desse momento que começou a ter mais sucesso na carreira?

“Na verdade até foi em Espanha. Quando eu fui para aquele país, a minha equipa já estava apurada para os oitavos de final da Liga dos Campeões e, mesmo assim, eu acabei por ser uma das melhores marcadoras da prova. Naturalmente, comecei a dar nas vistas e todos queriam saber quem era a jogadora portuguesa que jogava naquela equipa espanhola.”

Apesar de ter assinado por dois anos com o Metz, o clube ressentiu-se de problemas financeiros, o que fez com que voltasse a Espanha, um ano depois. Nesse regresso – que durou três anos – cheguei às meias-finais da Liga dos Campeões”.

Como é que surgiu a oportunidade de ir jogar para a Roménia, durante uma época?

“Foi num jogo em que Portugal foi jogar à Roménia e propuseram-me jogar no campeonato local. Pensei muito, por causa da minha idade, tinha quase 30 anos e já começava a perspectivar o final da minha carreira mas quis experimentar mais um campeonato. Encontrei uma liga muito mais dura, mais física e, por mais caricato que seja, foi uma época em que eu não tive lesões. Tinha lá jogadoras muito boas, como a Cristina Neagu, contra quem eu tive a oportunidade de jogar e que tinha, na altura, 16 anos. Eu pensava sempre que se aquela jogadora era tão forte com aquela idade, como seria quando ela fosse mais velha. E ela acabou por ser considerada a melhor jogadora do mundo, na geração dela. Aprendi imenso naquele país, as jogadoras romenas são muito fortes fisicamente e jogam bem todas as modalidades e eu não. Eram jogadoras muito completas.”

Regressou a Portugal e terminou a carreira no Madeira SAD. Foi algo que definiu como objectivo?

“Como se costuma dizer: ‘bom filho a casa torna’ e eu não podia ser excepção. Nos clubes onde passei sempre saí a bem e o meu pai sempre me disse que não devemos virar as costas a quem nos deu a mão e, por isso, senti que deveria voltar ao Madeira SAD porque era a minha segunda casa. Foi ali que eu passei muitos anos da minha vida e foi bom ter regressado. Foi pena não termos sido campeãs nacionais, apenas vencemos a Taça de Portugal mas acabei bem, junto de pessoas que me acolheram e só tenho a agradecer àquele clube. Não foi difícil deixar porque não terminei devido a lesão. Eu tinha concluído o curso de Enfermagem para que, quando deixasse de jogar, pudesse ter o meu sustento. Eu incentivo sempre os jovens a fazer as duas coisas em paralelo, porque é muito importante, caso aconteça alguma coisa na nossa vida desportiva, termos algo que nos segure. O desporto não dura para sempre.”

É a segunda jogadora com mais internacionalizações pela Selecção Nacional no escalão de seniores. Como é define a sua carreira com a camisola de Portugal?

“Foi um percurso muito gratificante. Aprendi com quem já lá estava e depois passei alguns ensinamentos às mais novas. Não há melhor sensação do que defender as cores da nossa selecção, daí talvez ter demorado tanto a deixar. Tive muitos momentos bons ao serviço de Portugal. O apuramento para o Mundial de Juniores, em 1997, foi um deles e para o Europeu de 2008 também porque já foi numa fase avançada da minha carreira e era algo que eu queria fazer antes de me retirar.”

Depois de terminar a carreira foi mais fácil conciliar o andebol com a enfermagem?

“Não posso dizer que tenha sido fácil. Eu pensava que não tinha tempo quando era jogadora e, agora sendo Vice-Presidente, percebo que ainda tenho menos tempo para conciliar as duas profissões. Como jogadora só tinha responsabilidades dentro da minha equipa e, na Federação de Andebol de Portugal, o nosso trabalho é repartido por um campeonato inteiro, clubes e associações, o que torna essa responsabilidade acrescida. Uma questão curiosa é o facto de, ainda hoje, com funções diferentes das que tinha como jogadora, continuo a trabalhar em equipa. Este convite surgiu pelo Doutor Ulisses Pereira, em 2012, e claro que aceitei sem hesitar para continuar perto desta modalidade da qual eu tanto gosto.”

Como é que tem vivido esta situação de pandemia, estando na linha da frente?

“É uma situação complicada. É um tipo de doença à qual não estamos habituados, porque para a maioria das doenças com que nós lidamos há uma cura ou sabemos que existe uma determinada medicação. Neste caso, ainda está por descobrir. O que temos feito e devemos continuar a fazer é seguir as recomendações da DGS, cumprir o distanciamento social e lavar as mãos. É difícil para os doentes e para as famílias mas, para o bem de todos, tem que ser assim, infelizmente. Têm sido dias cansativos para mim e para os meus colegas, porque acabamos por ter um serviço mais exigente.”

O facto de ser considerada uma referência na modalidade pesou na decisão de ficar ligada ao andebol feminino depois de ter terminado a carreira?

“De certa forma sim. Uma pessoa quando é considerada uma referência tem que saber a influência que tem no desenvolvimento dos jovens. Temos que tentar fazer as coisas da forma mais correta porque sabemos que há pessoas que vão seguir os nossos passos e o objectivo é que essas pessoas pratiquem desporto e continuem os estudos da melhor forma possível. O desporto dá-nos isso, disciplina, rigor e respeito.”

Como vice-presidente da Federação de Andebol de Portugal, como é que olha para o futuro em termos competitivos?

“As pessoas que praticam desporto estão com vontade de voltar ao ginásio, ao pavilhão, mas tem que ser um regresso em segurança. Só para fazer uma comparação, quando a época ainda estava a decorrer havia aquele tempo de descanso e depois já queríamos voltar à acção. É mais ou menos isso que está a acontecer agora, com as pessoas desejosas de voltar a jogar, correr, marcar golos e dar espectáculo. Porque o andebol é isso mesmo, um espectáculo.”

Sem tirar nem pôr. Uma jogadora que sempre soube procurar o caminho certo para atingir um alto patamar no desporto nacional e internacional e que, hoje em dia, se mantém também no top do dirigismo do Andebol português. Pelo meio, desempenha uma função das mais importantes na área da medicina: ser enfermeira. Um exemplo de ética, responsabilidade e integridade!

 

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