Em entrevista à Antena1 (RDP), Manuel Brito, presidente da Autoridade Antidopagem de Portugal, realçou que o “desporto português é limpo e sem casos relevantes de dopagem”, para além de ter assegurado que “os desportistas de elite são cada vez mais controlados, ainda que, todos os anos, sejam detectados cerca de quatro dezenas de atletas em operações para o efeito realizadas”.
Salientou ainda o presidente da ADoP “que o Ciclismo e o Kickboxing são as modalidades mais preocupantes – no que se refere aos dados apurados até final de 2019 – ao contrário do futebol, que deixou de ser uma modalidade perigosa”.
Depois de ter referido que “a casa se encontra arrumada, passe a imodéstia, face a uma readaptação estratégia que se justificava, no que foi uma condicionante para a aceitação do cargo, que era a alteração da lei então em vigor, o que foi fundamental”.
Lei que atribuía às federações desportivas a aplicação das sanções disciplinares, em função das acções praticadas pelos desportistas, o que não estava conforme a orientação que, entretanto, a Agência Mundial Antidopagem (AMA/WADA) tinha colocado em vigor.
A este propósito, Manuel Brito explicou que “por exigências da AMA/WADA, houve uma separação de responsabilidades e de instituições, com o Laboratório de Análises de Dopagem – que espero reconquiste a acreditação internacional a curto prazo – a ser integrado no Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), enquanto as responsabilidades da atribuição das sanções disciplinares saíram da alçada das federações desportivas e passaram para a ADoP, que implementa os respectivos processos para serem presentes à decisão de um Colégio Disciplinar composto por sete membros”.
Sobre o ambiente que se vivia com os restantes parceiros, Manuel Brito considerou que “as relações com todos os parceiros nacionais e com a AMA/WADA estavam muito tensas, pelo que o primeiro passo que dei foi no sentido de pacificar essa situação, porquanto a luta antidopagem é um dos pilares da integridade no desporto”.
Quanto aos dados estatísticos relativos a 2019, o presidente da ADoP referiu que “cada ano é um ano, porquanto o conceito de casos positivos foi alterado após ter tomado posse, em as modalidades foram classificadas com diversos graus de risco, cujo grupo alvo é a elite desportiva”.
Sobre o assunto, Manuel Brito esclareceu que “a elite não estava a ser devidamente acompanhada, porquanto foram registados casos em que o praticante tinha uma idade avançada, na ordem dos 70 e mais anos, o que não é, como é evidente, uma elite, a não ser em modalidades de tabuleiro (Xadrez e Damas, por exemplo), onde temos desportistas de grande categoria mundial.”
O presidente da ADoP esclareceu que os praticantes que estiveram nos Jogos Olímpicos de 2016 não foram sujeitos a controlo antes da partida para o Rio de Janeiro, o que é impensável. Mas que fique claro que o controlo já entrou nos eixos que enquadram o novo paradigma da liuta antidopagem em todas as modalidades, quer em competição quer fora, esta vertente, aliás, que é a mais premente (tem a ver com o passaporte biológico, que regista todas as alterações que se podem verificar controlo a controlo), de acordo com as directivas internacionais”.
“Ainda assim – revelou o antigo presidente do Conselho Nacional Antidopagem (ora ADoP) e do então Instituto do Desporto de Portugal – o desporto português não é um desporto perigoso”, justificando que “os quadros médicos são bem acompanhados, os praticantes têm mais consciência e tem medo, não arriscando, os dirigentes também evoluíram na matéria, tendo a ADoP uma política de educação, em que acredito, enquanto professor de formação”.
Frisou ainda que “acredito no valor da educação, o que coincidiu com uma alteração muito grande na Agência Mundial Antidopagem, em que as normas educativas foram aprovadas em Novembro do ano passado, o que levou a ADoP a ter um especialista para esta área (educação) – que devemos aumentar para dois ainda neste ano de 2020 – o que nos vai ajudar, espero, na crença baseada na educação”.
Como desportos mais perigosos, nos três últimos anos – cuja média anual de positivos foi da ordem dos 40, a par do padrão de outros países – Manuel Brito considerou que “Ciclismo (26%), Kickboxing (22,5%), Bridge (7,8 %), Automobilismo (6%) e Futebol (5,4%), lideraram a lista dos casos positivos, ainda que se deva ter em atenção a comparação entre o número de análises feitas, os resultados registados e o número de praticantes, sendo que, neste campo, de um valor global de 600 mil federados, apenas um terço respeita ao Futebol, o que confirma a posição de menor preocupação com esta modalidade, o que prova, por outro lado o excelente trabalho desenvolvido pelo presidente da respectiva Federação, Fernando Gomes, que conseguiu mudar a mentalidade de muitos dirigentes, com mais profissionalismo, mais acompanhamento pela parte médica, mais cuidado, face aos escândalos que houve (há 20 anos) e que agora se estão a esbater-se, pelo menos referindo-me aos últimos três anos”.
Quanto ao ciclismo, Manuel Brito referiu que “passa-se algo de interessante porquanto os patrocinadores são vitais – aliás como para todo o desporto – para a modalidade e para o praticante, sendo que um caso positivo obriga o desportista a pagar uma verba elevada ao patrocinador, para além da sanção desportiva, que o pode levar a uma suspensão longa em função da substância detectada”, tendo acrescentado que “face a uma estratégia de acompanhamento específico com a Federação, numa altura em que parece que se voltou às autotransfusões de sangue – atendendo a que surgiram perfis anómalos nos passaportes biológicos de alguns praticantes – a ADoP implementou uma outra forma, baseada ainda na educação, porquanto tem como missão zelar pela verdade desportiva e pela saúde do praticante, que é a principal preocupação”.
Com a nova legislação da AMA passou a ser permitida a análise de “denúncias” feitas via “on line”. É uma realidade efectiva?
“Na verdade, isso é uma realidade – salientou Manuel Brito – porquanto recebemos na ADoP duas ou três por semana, sendo operacionalizado o procedimento estritamente legislado”.
As competições europeias (europeu de futebol) e olímpicas (Jogos Olímpicos e Paralímpicos) são os principais eventos que estão previstos para estes anos, pelo que é de esperar, por parte da ADoP, o cumprimento das regras no que à dopagem concerne. Plano já em andamento?
“O planeamento é elaborado em função do que são os eventos, nacionais internacionais, programados por cada Federação que as realize. Daí que esteja garantido que todos os controlos indispensáveis serão realizados. Naturalmente dentro do que está previsto pela AMA e pela ADoP. A partir deste ano, começou a ser feita, como referi, uma aposta muito grande na educação, pelo que foi criada uma equipa de cinco técnicos para explicar o processo de controlo e outras informações correlativas para os praticantes perceberem o que se faz e as respectivas implicações em caso de resultados positivos. Isto é, esclarecer para tranquilizar”.
Em face do referido por Manuel Brito é líquido aceitar – e acreditar – que algo está a mudar no que ao controlo antidopagem diz respeito, o que é uma boa notícia para todos aqueles, praticantes em relevo, que desejam um desporto limpo, com desportivismo, fair play e, acima de tudo, com integridade e dignidade.