Um grupo de oito pioneiras do jornalismo do desporto – quais rainhas consagradas na comemoração do Dia Internacional da Mulher – foram homenageadas pelo Comité Olímpico de Portugal, numa cerimónia que encheu por completo o Auditório José Vicente Moura, na sede do próprio Comité, num dia em que, de surpresa em surpresa, se conheceram algumas histórias da vida de cada uma destas mulheres de garra, que se sentaram em cadeiras pouco tempo antes destinadas apenas a homens.
Tendo como base uma carreira consolidada no jornalismo especializado em desporto, o Comité Olímpico de Portugal deliberou distinguir oito profissionais pelo seu pioneirismo numa área historicamente dominada pelo género masculino e que com a sua perseverança construíram um perfil de credibilidade e respeito, tanto dentro das redacções que integraram como no relacionamento com os diversos sectores e modalidades desportivas.
Cecília Carmo foi a que maior protagonismo teve ao longo de 35 anos ao dar a cara pela RTP, onde integrou a Direcção de Informação e fez a cobertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona (1992), Atlanta (1996), Sidney (2000) e Atenas (2004), entre outras funções, exultou pelo prémio recebido e confidenciou que “a culpada de eu entrar no Expresso é da Leonor Pinhão, por ser mulher e ter uma visão diferente da sociedade. A culpada de eu apresentar na RTP é a Natália Oliveira. É um orgulho estar aqui, esta é a casa do desporto, em Portugal”.
Maria do Céu Freitas, trabalhou desde cedo em jornais desportivos, tendo integrado as redacções da Gazeta dos Desportos, O Jogo e Record, mas do seu trajecto profissional fazem parte também o Jornal de Notícias, Êxito, Correio da Manhã, Europeu e Diário de Notícias. Foi directora do Record por um dia, simbolicamente, no Dia Internacional da Mulher, tendo ainda feito a cobertura dos Jogos Olímpicos Atlanta 1996, que salientou “ter que agradecer muito ao Prof. José Manuel Constantino – Presidente do COP – por esta distinção e ao João Marcelino por eu ter assumido a direcção do Record por um dia. Foi um marco interessante e a situação nem sequer foi muito bem vista. Espero que as mulheres continuem a cimentar os seus pontos de vista no desporto.”
Edite Esteves (75 anos de vida), fez jornalismo diário durante 33 anos, continuando em funções na revista “Autores”, da Sociedade Portuguesa de Autores, onde também é editora.
Praticante federada, entre outras modalidades, de Basquetebol no CIF e no Algés, iniciou-se, em Abril de 1972, no jornalismo no diário “A Capital”, onde colaborou na secção desportiva, desde a cobertura de jogos de futebol a campeonatos de boxe ou de bilhar a três tabelas. Assinou ainda a coluna “A Mulher e o Desporto”, publicada no Suplemento Feminino, foi chefe de redacção-adjunta, redactora principal, grande repórter, editora, colunista e cronista, tendo sido a enviada especial do jornal aos Jogos Olímpicos Barcelona 1992. A seguir ao 25 de Abril, durante um ano, deu a cara na rubrica “Totobola” da RTP, substituindo Artur Agostinho, tendo desempenhado também funções de formadora no CENJOR – Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas.
Salientou que “fui pioneira no jornalismo desportivo, sem dúvida nenhuma. Mas para mim foi normal, eu já estava habituada a lidar com o sexo oposto de igual para igual. Para A Capital, fui defender os direitos das mulheres e das crianças. Nunca me senti discriminada. É muito difícil fazer jornalismo desportivo como deve ser.”
Edite Soeiro iniciou a actividade jornalística em Angola, no semanário O Intransigente, em cuja redacção era a única mulher. Mudou-se para Lisboa e ingressou na revista Flama, onde foi grande repórter e chefe de redacção. Posteriormente, transferiu-se para a delegação da revista angolana Notícia, em Lisboa, de que foi também chefe de redacção. Em 1968, foi a primeira mulher em Portugal a fazer a cobertura, como enviada especial, de uns Jogos Olímpicos, na Cidade do México.
A distinção a Edite Soeiro foi feita a título póstumo, tendo sido o filho, Luís Barradas, recebido a distinção, tendo tido oportunidade de afirmar que “tenho o privilégio de ter tido na minha vida mulheres fantásticas. Agradeço ao Comité Olímpico de Portugal esta distinção. Eu sou um bom homem graças às mulheres fantásticas da minha vida.”
Leonor Pinhão, quiçá a mais interventiva face a uma presença quase diária nas páginas dos jornais, foi a primeira mulher a integrar os quadros de um jornal desportivo, em Portugal, tendo trabalhado durante 14 anos em A Bola, onde se destacou como repórter na área do futebol; posteriormente passou a ser colunista do jornal. Foi igualmente comentadora na SIC e no Expresso. Actualmente escreve uma coluna semanal no Record. Escreveu o livro “Rosa Mota: memória de carreira”. Autora do argumento do filme “Ruth”, sobre os primeiros tempos da carreira de Eusébio da Silva Ferreira, foi distinguida com o Prémio para o Melhor Argumento Cinematográfico pela Sociedade Portuguesa de Autores, em 2019 tendo recebido ainda a Ordem de Mérito, em 2005, atribuída pelo Presidente da República.
Aproveitou para dizer que “a culpa de eu ser jornalista é da Edite Esteves. Eu fui a segunda no caminho da anormalidade que era uma mulher fazer jornalismo desportivo. Tive uma enorme quantidade de homens bons a ajudar-me. Não me senti minimamente posta de parte por ser mulher. Estou gratíssima a todos os que me ajudaram.”
Maria João Duarte (90 anos de idade) assinou uma coluna sobre Hóquei em Patins no jornal Mundo Desportivo, tendo mais tarde sido chefe de redacção da revista Donas de Casa e da Tele-Semana, de onde passaria, mantendo o cargo, para o semanário Se7e. Foi igualmente colaboradora de A Capital, A Bola e Jornal de Notícias.
Impossibilitada de estar presente na cerimónia, fez-se representar pela filha, Fátima Rolo Duarte, que salientou que “a minha mãe lamenta não estar aqui, como gostaria, mas eu creio que ela foi a primeira mulher a escrever sobre desporto em 1956. Está profundamente grata e surpreendida, porque sempre foi uma pessoa muito ‘low profile’, com uma vida complexa, dura.”
Natália Oliveira foi a primeira mulher jornalista na redacção de desporto da RTP e a primeira pivô feminina de programas de desporto da televisão portuguesa. Esteve no departamento de desporto entre 1986 e 1989. Passou depois para a redacção geral, ficando ligada à área de agenda e planeamento, que coordenou durante mais de uma década. Foi editora-executiva e coordenadora de diferentes áreas, estando hoje a desempenhar funções junto da Direcção de Informação e tendo a seu cargo, entre outras tarefas, a orientação de jornalistas-estagiários no canal publico.
Aproveitou para afirmar que “a minha passagem pelo desporto foi curta, porque apenas entreabri a porta, que a Cecília e a Pilar de Carvalho escancararam e, hoje, está aberta para todas.”
Teresa Montserrat começou por ser repórter fotográfica no diário A Capital, colaborando depois com o jornal Record, ao serviço do qual se distinguiu na cobertura fotográfica do futebol, uma área tradicionalmente preenchida por profissionais do género masculino. No Record assegurou ainda as funções de fecho de edição na área da imagem.
Satisfeita pela distinção, referiu que “o jornalismo foi parte importante da minha vida, tanto na parte generalista, como na desportiva. Ser mulher não importa neste dia, a lembrança sim. Obrigado por me terem recordado um tempo que deixou marca em mim.”
Carla Ribeiro, Vogal da Comissão Executiva do COP, dirigiu a cerimónia, sublinhando que “de pequenas coisas às vezes se fazem grandes lutas. A evocação do Dia Internacional da Mulher continua a ser pertinente.” Lembrou a seguir as palavras do Presidente do Comité Olímpico Internacional em relação aos Jogos Olímpicos Tóquio 2020, em que “pela primeira vez haverá igualdade de género.”
Elizabete Jacinto, Presidente da Comissão Mulheres e Desporto do COP, fez a apresentação da publicação “Igualdade de Género – recomendações de boas práticas”, tendo abordado ainda o jornalismo e as mulheres no desporto, defendendo que “a relação não é plena.”
A automobilista de competição sublinhou ainda que que, na abordagem feita pelos órgãos de comunicação social, “as mulheres atletas são objecto de comentários triviais”, o que acaba por configurar uma “reprodução inconsciente de estereótipos.”
Elizabete Jacinto falou na necessidade de “formação de novos valores”, tendo apelado à comunicação social para ser “agente de mudança”, com uma “cobertura mediática correta no que ao desporto feminino diz respeito.”
José Manuel Constantino, presidente do COP, concluiu a cerimónia ao afirmar que “o desporto não seria o que é sem este parceiro insubstituível, o jornalismo”, acrescentando que “muitas das competições desportivas tiveram os jornais como impulsionadores. Até para a constituição do COP, em 1912, houve o contributo decisivo de um conjunto de jornalistas na promoção do debate.”
José Manuel Constantino considerou a homenagem feita, esta terça-feira, às mulheres jornalistas como “um tributo ao papel do jornalismo no desenvolvimento do desporto. A homenagem que hoje aqui se presta às mulheres é-o também ao jornalismo em geral. Para o COP, é um orgulho e uma honra inscrever esta cerimónia na sua história.”
Carla Ribeiro, Rita Nunes, Directora do Departamento de Estudos e Projectos do COP, e as membros da Comissão de Mulheres e Desporto do COP, Juliana Sousa, Ana Celeste Carvalho, Elizabete Jacinto e Filipa Cavalleri fizeram a entrega das distinções às jornalistas.
A cerimónia teve dois momentos artísticos a cargo da contadora de histórias Ana Sofia Paiva e do músico e compositor Marco Oliveira, centrados na mitologia grega, outra novidade – com brilhantismo inusitado – com que toda a plateia foi brindada.