“Todas as semanas, em muitos recintos desportivos, há manifestações de racismo. Designadamente sobre a forma de insultos. Sobre atletas, sobre árbitros e sobre treinadores. Com a total complacência das autoridades de segurança. E com alguma jurisprudência dos tribunais públicos a entenderem os insultos no espaço desportivo como algo diferente do espaço social, onde certo tipo de condutas não são aceitáveis e são condenáveis” – referiu José Manuel Constantino, Presidente do Comité Olímpico de Portugal, no comunicado publicado no site do COP.
O líder do COP salientou, de seguida, que “o que sucedeu em Guimarães só é diferente do ocorrido em muitos outros locais desportivos porque o alvo das manifestações racistas decidiu, desta vez – que não foi a primeira -, não tolerar mais aquilo de que estava a ser alvo e abandonar o recinto de jogo. Um jogo que estava ser transmitido em directo, o que exponenciou o ato e toda a circunstância envolvente”.
No documento, salienta-se ainda que “como é habitual nestas ocasiões, lamenta-se piedosamente o acto e pedem-se medidas disciplinares duras e exemplares. E constrói-se uma narrativa de repúdio. E pela enésima vez pede-se tolerância zero. Nada a criticar. O problema que subsiste é se isso é suficiente. E o de saber se o desporto tem força suficiente para travar uma luta que o envolve, mas que dele não depende exclusivamente”.
José Constantino constata ainda que “o desporto é hoje um conceito equívoco onde cabe tudo. Formação, educação, profissão e negócio. Um desporto de onde progressivamente se lhe foi retirando aquilo que o definia no processo civilizacional como uma manifestação de cultura. E numa ausência de políticas de memória a sua identidade e valores jazem no cemitério das boas intenções e dos bons costumes. A salvaguarda desses valores não encontra tradução categórica em medidas consistentes de cariz educativo, preventivo e sancionatório, seja do ponto de vista moral, administrativo, disciplinar ou criminal. Terá de ser assim?”
Assinala também o documento que “o desporto e os seus diferentes universos participam, através de uma dinâmica original, na reprodução e na transformação da realidade social. Por um lado, são um instrumento no processo de actualização das relações de dominação e hegemonia cultural existentes mas, por força do seu poder simbólico, contribuem como lugar de inovação e de resistência aos modelos dominantes e aos poderes de controlo. Esta relação dialéctica explica quanto é errado o entendimento de que o desporto seja apenas um reflexo da sociedade, como o é, também, o de pensar o desporto como elemento transformador da sociedade. A relação é de mútua influência, nos dois sentidos, e mais do que funcional é de natureza tensional”.
Referiu que “o racismo existe na sociedade portuguesa, é plural e em vários sentidos. De brancos sobre pretos. De pretos sobre brancos. De mestiços sobre pretos. A forma como lidamos com este problema foi agravado pelas políticas de identidade e afirmação rácica. E pelo aparecimento de agendas politicas populistas e xenófobas. E nestas cresceu uma nova geração que em nome do anti-racismo se aproximou de novos racismos. Tudo para se reconhecer que a luta contra o racismo e a xenofobia é uma batalha bem mais vasta que aquilo que ocorre nos recintos desportivos. Esta constatação não pode conduzir a uma banalização ou desvalorização do papel do desporto no combate a este drama social. E se o mínimo que se pode exigir é o estrito cumprimento das medidas disciplinares previstas para este tipo de situações, é de esperar do desporto um acrescido e convergente esforço junto de todos os que procuram combater o racismo nas suas diferentes facetas”.
Prosseguindo, “espera-se que da parte das autoridades públicas e desportivas se adoptem medidas de combate ao problema que estão muito para além dos efeitos disciplinares do caso agora em apreço, designadamente em contexto em que a legislação portuguesa continua a estimular e a legalizar fenómenos identitários (como as claques) que são um alfobre de intolerância, violência e racismo. E uma máquina de fomento de ódio. É bom que tomemos consciência de que os temas do racismo, da violência, da xenofobia, do assédio sexual, da manipulação de resultados, da dopagem não podem ser motivo de preocupação só quando são mediatizados. Eles existem, tome ou não conhecimento a comunicação social, muita dela sem meios para poder investigar o que ocorre no âmbito das violações da integridade do desporto.
Conclui o documento “que os lamentáveis incidentes ocorridos em Guimarães agitem as consciências e nos permitam perceber que é longo o caminho a percorrer para erradicar da sociedade portuguesa comportamentos violadores dos mais elementares direitos humanos. Para isso é necessário, todos, fazermos muito mais e melhor”.
Sem dúvida uma tomada de posição arrojada, salientando aquilo que as estruturas desportivas, em especial no futebol, não conseguem implementar, que é agravar, de forma a resolver o assunto, as sanções “leves” que os regulamentos permitem.
E também é bom recordar que o tecido federativo, especificamente para aquele a quem é atribuído (pelo Governo) o Estatuto de Utilidade Pública Desportiva, não podem continuar a actuar da forma que o estão a fazer, o que pode permitir ao próprio Estado retirar a UPD, como rege a legislação sobre o efeito em vigor.
Faz “confusão” – ou talvez não, conforme o ângulo com que seja apreciado – que cheguemos a 2020 sem resolver problemas que se colocam há muito, em múltiplos aspectos, recordando-se a posição “musculada” que o governo tomou quando das questões ligadas à dopagem no desporto se verificaram tempos atrás.
Há que ter história e há que conhecer o que outros implementaram com sucesso.
Está na altura de outros seguirem o seu caminho.
Não se pode continuar a dizer que se manda, mas não manda nada!