Com esta afirmação – que confirma o ser humano que foi e o extraordinário atleta “pré-datado” de campeão olímpico dotado de poderes, para a altura, quiçá sobrenaturais – o campeão olímpico Carlos Lopes demonstrou, uma vez mais, que sabia sempre o que fazia, depois de analisar todas as vertentes decorrentes da presença em cada prova, quer em crosse, quer em pista, quer em estrada, onde chegou ao ouro olímpico.
Em cada prova, como referiu, percebeu tudo o que era preciso para cumprir a meta que tinha prometido a si próprio, com a plena convicção de que chegar a esse patamar era apenas uma questão de tempo, sem ansiedades, sem nada que o atormentasse, a não ser a forçada ausência dos Jogos Olímpicos de Moscovo (1980) por motivo de uma lesão que levou bastante tempo a ser curada e o ”toque” que levou de um automobilista, na Segunda Circular (Lisboa), a duas semanas dos Jogos de Los Angeles onde, finalmente, subiu ao patamar das estrelas mais cintilantes da história do olimpismo.
Isto – e muito mais – foi dito por um campeão olímpico, ora retirado, mas com uma convicção dos anos oitenta, quando já ostentava ao peito medalhas de campeão do mundo de crosse, recorde mundial e europeu da maratona, ex-recordista mundial dos 10.000 metros, que teve oportunidade de ir confirmando a sua categoria para chegar ao Estádio Olímpico com o objectivo concreto de “estragar” a festa que o Presidente dos Estados Unidos tinha preparado para coroar o norte-americano Alberto Salazar como campeão olímpico da maratona.
De forma sucinta, mas que continua a criar grande expectativa junto dos que o ouvem contar as peripécias que foram acontecendo numa longa vida desportiva ao mais alto nível, Lopes não deixou de recordar que a “culpa” na escolha do desporto que mais “conviesse” (o futebol era o preferido mas depressa decidiu mudar porque com 1,68 de altura e 40 quilos não iria muito longe), tendo inaugurado a sua carreira na São Silvestre de Vildemoinhos (vila natal), prova que venceu da segunda vez em que participou, depois de perceber que não podia correr da mesma forma como na primeira, tendo ganho com larga vantagem.
Essa vitória foi o “passaporte” para o então “torneiro mecânico” – autênticos técnicos especialistas em fazer vários tipos de peças metálicas para diversos efeitos – rumar até ao Sporting Clube de Portugal, porquanto era o único clube que tinha uma verdadeira escola de atletismo.
Tendo sido colocado, pelo Sporting, na então Metalúrgica Italiana, Lopes nunca se sentiu à vontade porquanto queria seguir a profissão de torneio mecânico e não de serralheiro civil, o que criou alguns “tremelicos” na relação com o Sporting, chegando mesmo a estar com a mala na estação de Santa Apolónia para regressar a casa.
O que não chegou a acontecer porque o Sporting não o queria deixar fugir (era um diamante em bruto e havia muito trabalho a desenvolver para chegar a campeão) até porque já tinha conquistado o título de campeão nacional de juniores (crosse), a confirmar o que todos já previam para mais tarde acontecer.
Mala “guardada”, regresso à actividade, o serviço militar obrigatório no horizonte mais curto, e outras coisas para resolver, em especial um emprego mais compatível com a nova forma de Moniz Pereira treinar os fundistas.
Por essa altura, Lopes já era um inveterado “homem da estrada” e não tanto da pista, onde se treinavam a maioria dos atletas na então “Escola/Centro de Treino”, no antigo Estádio José de Alvalade.
Daí que a maioria dos treinos dos fundistas fosse na estrada, com partida e chegada no Estádio, servindo a pista apenas para séries de distâncias mais curtas, para melhorar outras qualidades, como a resistência e a velocidade, sempre indispensável para poder discutir as corridas até ao “sprint” final. Do que Carlos Lopes não era apologista, porquanto o objectivo era sempre andar só na frente.
A esta alteração, outra também importante se registou: passou a haver treino bidiário.
Lopes enalteceu ainda duas grandes figuras gradas do atletismo nacional de quando se iniciou, como foram os casos de Manuel de Oliveira e Anacleto Pinto. De Oliveira, tentou implementar a mesma passada; do segundo, foi quem lhe ensinou a correr corta mato.
A estratégia, segundo Lopes, era pensar rápido e agir, não dando tempo aos restantes para poderem reagir. A previsão era, sempre, de cem por cento para ganhar.
Para se atingir as metas, prova a prova, Lopes salientou que o treinador teve muita importância – e continua a ter – em especial entre os 17 e os 24 anos, quando os jovens começam a “amadurecer”; sabem o que querem e até como fazer, pensando pela própria cabeça. A partir desta premissa, cada um tem que decidir, tem que ser autónomos, e não andar com o treinador “às costas”.
Contou, como ponto principal, a odisseia da presença em Los Angeles (1984), onde conseguiu então a medalha de ouro olímpica, a primeira para Portugal, no que foi um ode ao desporto nacional e ao atletismo, em especial, com reflexos em todo o mundo.
Desde o lugar onde ficou a “residir”, a 30 km da aldeia olímpica – da qual não é favorável porque factor de desestabilização constante – até à alta temperatura que se fez sentir, Lopes teve o condão de superar todos os problemas com olhos de lince (via o que interessava e registava os factos relevantes mentalmente), para depois utilizar na prova, que considerou de “tacticamente eficaz”, como o provaram os resultados finais.
A presença no mais alto lugar do pódio de Los Angeles foi a glória das glórias de Carlos Lopes – que ainda se sagrou campeão mundial de crosse, em 1985, no Jamor – sem dúvida o maior atleta do desporto português.
Foi isso que foi relembrado nesta Tertúlia Olímpica, que o CNID e a Academia Olímpica de Portugal levaram a efeito no Auditório “José Vicente Moura”, na sede do Comité Olímpico de Portugal, com a moderação do jornalista António Simões, do jornal “A Bola”.
O primeiro de mais três encontros com os outros campeões olímpicos de Portugal: Rosa Mota, Fernanda Ribeiro e Nélson Évora, que serão concretizados ao longo de 2020, ano dos Jogos Olímpicos de Tóquio.