Ser (humano), conhecer (corpo e mente), controlar (mente e corpo) são termos – e muito mais – que se podem aplicar em variadíssimas situações nas vidas de todos os cidadãos, porquanto respeitam aos comportamentos que se assumem em função das múltiplas vertentes colocadas no dia-a-dia.
Por isso achar que, como base de tudo o resto, se encaixa no que a Comissão Mulheres e Desporto, sob a égide do Comité Olímpico de Portugal (COP), a organização do seminário internacional sobre “Desenvolvimento de competências e liderança no desporto”, foi um êxito face à relativa divulgação que foi dado a este tema, inserido na estratégia de trazer mais mulheres para o desporto (e não só) a todos os níveis.
Com o auditório do COP quase repleto, para o caso maioritariamente feminino e porque, promovido pela Comissão de Mulheres, era incontornável falar da igualdade de género, de oportunidades iguais, de salários também semelhantes, entre outras coisas.
Sendo a maior percentagem da população portuguesa (na ordem dos 52%), as mulheres vão passar a ocupar mais lugares nos múltiplos órgãos ligados à Administração Pública, incluindo em cargos de liderança, o que vai ser instituído pelo governo, que estuda um projecto de alteração legislativa a este propósito.
Situada nos actuais 33 %, a aposta é aumentar para 40%, segundo salientou José Manuel Araújo, secretário-geral do Comité Olímpico de Portugal (COP) na abertura do Seminário Internacional Desenvolvimento e Competências e Liderança no Desporto, que a Comissão Mulheres e Desporto do COP promoveu com assinalável êxito, face ao número de participantes presentes na acção.
Desempenhando funções profissionais na Assembleia da República, José Manuel Araújo lançou a novidade, pelo que provocou grande expectativa junto de mais de meia centena de dirigentes e técnicas de desporto na área feminina presentes no evento, abrindo, com isto, o “mote” para se abordar o tema da igualdade de género.
João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e Desporto (por se encontrar na Assembleia da República no âmbito do processo IPDJ) enviou uma mensagem que foi lida por Mónica Jorge (directora federativa responsável pela futebol feminino), membro da referida comissão (liderada pela piloto Elisabete Jacinto e juntando ainda Ana Vital Melo e Filipa Cavalleri), onde apelou “à tomada de medidas que visem a igualdade”, frisando que “devemos contribuir para alterar este paradigma”.
Elisabete Jacinto, por seu lado, lançou o desafio de “queremos contribuir para diminuir as assimetrias existentes. A União Europeia determinou que um mínimo de 40% dos órgãos dirigentes deve ser ocupado por mulheres, no que estamos francamente longe das metas estabelecidas”, salientando que, em Portugal, essa percentagem é de 11 % quanto a dirigentes sendo que ao nível de treinadores a percentagem é de 16 % e de juízes/árbitros também é de 16%” (dados referidos a 2013-IPDJ).
Na conferência, intitulada “Que educação para a igualdade de género?” e da responsabilidade de Paula Silva, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, esta “expert” em estudos e projectos de investigação no domínio do Género e Desporto, partilhou preocupações e reflexões sobre o tema, deixando um conjunto de pistas para aprimorar as acções no presente e no futuro. Mormente no que respeita “à utilização de uma linguagem inclusiva entre homens e mulheres, a não utilização de termos que excluam, não recorrer a expressões ofensivas e outras que não incluam”.
Acrescentou ainda que “a desigualdade não acontece por acaso. As discriminações são despercebidas, mas marcam, estão enraizadas, determinam pensamento e acções” e que “as expectativas sociais pressionam as raparigas a escolher determinadas modalidades”, questionando de seguida se “será que continua a ser importante analisar as questões das mulheres no desporto?”,
Na mesa redonda que se seguiu, subordinada ao título “A diferença de género na gestão da liderança em meio desportivo”, a moderadora Maria José Carvalho, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, no que se refere ao dirigismo e quanto à igualdade do género, salientou que “a participação das mulheres em cargos dirigentes no desporto assemelha-se à Idade da Pedra”, frisando que é “inconcebível que haja federações desportivas que não têm uma única mulher nos corpos sociais, como são os casos das modalidades de Atletismo e Canoagem, precisamente as que mais medalhas conquistaram na história do desporto português”, questionando de imediato “se isto se verifica nestas duas federações modelo, como é que podemos falar em igualdade de género?”.
Foi mais além e frisou que “há duas dezenas anos que se fala nisto mas que não se vê qualquer acção, em especial por parte do governo, que deve estar no top (a montante) para mudar as mentalidades, seguindo as decisões tomadas na reunião realizada em Brighton (Declaração de Brighton), de onde saiu a declaração que, ainda que vigorando, não tem sido aplicada”
Declaração de Brighton que definiu (Maio de 1994) as recomendações a promover no âmbito das Mulheres e o Desporto, cujos princípios foram adoptados pelo Comité Olímpico Internacional, medidas reforçadas com a criação (1995) do Grupo de Trabalho Mulheres e Desporto.
Altura em que foi decidido também que todos os organismos pertencentes ao Movimento Olímpico fixassem como objectivo a cumprir, na composição dos seus órgãos executivos, uma percentagem de mulheres de 10% até ao ano 2000 e de 20% até 2005.
Estamos em 2018 e, provavelmente, os 20% ainda não foram alcançados por uma grande maioria das instituições ligadas ao olimpismo, onde se inserem as federações desportivas.
Daí o facto de Maria José Carvalho se “sentir cansada em falar sobre o assunto, sem que nada tenha sido feito para evoluir”. Concluiu deixando, uma vez mais, que “de uma vez por todas, tracemos metas e avancemos com acções concretas para se chegar mais à frente e não continuarmos cada vez mais longe dos lugares cimeiros, porquanto temos capacidade de subir muitos degraus neste campo, mais a mais porque as mulheres são 52% da população portuguesa”.
Francisco Neto, seleccionador nacional de Futebol Feminino, defendeu que “não é o género a impor a competência mas sim o contrário”, salientando ainda que “a ocupação de cargos é uma questão de oportunidade”, dando o próprio exemplo que é líder de mulheres mas é liderado por uma mulher (a Directora para a disciplina da qual é seleccionador).
Margarida Gaspar de Matos, da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, salientou que “gosto de pensar que vivo num mundo de igualdade de oportunidades mas, por muito antipática que seja a ideia das quotas, provavelmente terá de as ter durante um tempo.”
Paula Silva acrescentou ainda que “as mulheres têm andado ao sabor da sociedade, mudam quando as pessoas atuam, mas o tempo não as muda. O problema não está em legislar, mas em fazer cumprir a legislação.”
Maria José Carvalho que é “preciso fazer formação nas organizações federativas a este respeito, criando pro actividade e não estar à espera de ordens para isso”. Até porque – como salientou Margarida Matos, “existe legislação sobre o assunto, pelo que é preciso que se cumpra”.
Na segunda conferência – “3 Keys to success in Sustainability Leadership: Courage-Endurance- Strategy” – Kristiina Pekkola, psicóloga e presidente da Federação Sueca de Judo, descreveu as condições em que chegou ao cargo que ocupa, depois de percorrer um caminho marcado pela discriminação dos seus pares. “Percebi que não tínhamos atingido os objectivos ao fim de três anos e decidi apresentar um plano para conseguir medalhas nos Jogos Olímpicos.”
No dia da apresentação, salientou, “estive eu e mais seis homens, quis apresentar um plano,mas não consegui porque o então presidente perguntou: ‘Plano, qual plano? Essa é a pior ideia que já vi’.”
Passaram dez anos, o tempo que durou até que Kristiina Pekkola chegasse a presidente da respectiva Federação. “Havia que definir objectivos” – um dos quais era o de fazer subir o número de praticantes de 14 mil para 20 mil até 2020”.
O plano traçado “foi iniciado em 2013 com um programa de liderança para jovens entre 18 e 25 anos, em paralelo com outro programa paralelo, para treinadoras, três anos mais tarde.”
Mas houve mais. “Acabámos com as comissões, julgámos que iria ser um problema, mas as pessoas acharam boa ideia, porque tinham poder em termos negativos. Abandonámos uma estrutura clássica para ter uma organização flexível e orientada para projectos com objectivos definidos, com igualdade de género obrigatória.”
Revelando os resultados entretanto verificados, salientou que “em 2017, havia 20.689 praticantes de judo na Suécia, existindo agora 194 clubes em acção, faltando seis para os 200 a que respeitava o plano até 2020. Mas ainda temos dois anos”, lembrou. Só as medalhas olímpicas estão a zero e em Tóquio o objectivo são duas”.
Na Federação, referiu, orgulhosa, “somos 7 mulheres e 7 homens na equipa.”
Na mesa redonda que se seguiu, sob o tema “Desenvolvimento de competência de liderança em futuros líderes”.
Dina Pedro, seleccionadora nacional de Muaythai, foi a primeira a falar sobre a sua experiência, referindo que “a liderança não é o facto de ser homem ou mulher” salientando que “tive que mostrar as minhas competências. Arrisquei e quis pagar o meu risco, porquanto, temos de tirar o estigma das mulheres que desistem logo à primeira dificuldade que surge. Se cada uma acreditar que pode mudar um bocadinho, a situação muda mesmo. E nunca tivemos os resultados que estamos a ter.”
Dina salientou que “se torna necessário implementar acções para treinar a liderança por parte das mulheres, de forma a todos termos as mesmas condições”.
João Rodrigues, partilhou experiências da carreira de atleta de prancha à vela, frisando que “quero devolver à sociedade o que me deram ao longo de todos estes 28 anos, seguir a carreira de treinador, ao mesmo tempo que ajudar também a Comissão dos Atletas Olímpicos (é o que mais presenças teve nos Jogos-7) a que presido”.
Laurentino Dias, antigo secretário de Estado da Juventude e Desporto, reforçou que “todos beneficiamos de uma presença equilibrada de homens e mulheres nas organizações. Mas não é só no desporto, é também noutras áreas. É preciso dar passos no sentido desse equilíbrio. Não sou adepto de quotas, mas essa é uma forma eficaz de estimular a presença das mulheres.”
Do ponto de vista político, em funções desde 1982, Laurentino Dias salientou que tem de se “ter presente a história social do país e o contexto das mulheres na liderança”, reforçando que “o haver menor número de mulheres a liderar é um contra censo, porquanto a maioria dos votantes são mulheres”.
Recordou, nas funções que desempenha, enquanto deputado na Assembleia da República, “que o desporto tem um elevado capital de devoção pelas mulheres”, citando os exemplos das campeãs olímpicas Rosa Mota e Fernanda Ribeiro, das campeãs mundial e europeia Manuela Machado e Albertina Dias, entre outras.
Sidónio Serpa, psicólogo, docente da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa – no papel de moderador deste painel – foi desafiado a dar uma opinião sobre liderança, tendo referido que “depende das pessoas, da capacidade que têm de se adaptar aos outros, e isso vem da experiência, e da capacidade de criar autonomia.”
Catarina Rodrigues, da Comissão Mulheres e Desporto do COP encerrou o seminário, referindo que “quisemos fazer um alerta para as dificuldades que as mulheres ainda hoje enfrentam para desempenhar cargos dirigentes. Sabemos que temos um longo caminho a percorrer. E necessitamos de ter homens pioneiros, líderes sem medo de escolher”, concluindo que “é urgente trazer a agenda 2020 para a agenda diária.”
Um seminário recheado conteúdo cada vez mais actual mas que não tem sido tratado como devia, pelo que se aguardam novidades a curto prazo no que se refere à realização de acções específicas sobre os temas envolvidos neste oportuno encontro nacinal.